Deficiente...

3 de dezembro, dia internacional das pessoas com deficiência.
Um dia que passa despercebido aos comuns não deficientes que não têm noção do que implica ser deficiente.
Vendo bem, só se tem percepção da realidade de ser deficiente quando nos toca directamente. Ora connosco, ora com pais, filhos, alguém próximo. Um pouco como o COVID, vá.
Tenho memorias de infância em que contactei com crianças com deficiência. Tentar brincar com uma criança assim não é fácil, porque não os entendemos e porque levas uma chapada e um puxão de cabelo de onde nem sonhas e não compreendes que aquela é a única forma de ela se fazer entender. Lembro-me de nós, os putos normais terem comportamentos imbecis e parvos de fazer pouco do "deficiente" ao ponto dos pais não o deixarem brincar na rua ou vê-lo sozinho no recreio ou apenas entregue à auxiliar. Hoje vejo que os deficientes são os que vivem e viviam na ignorância e na estupidez de não haver inclusão escolar e social dessas crianças. Há 35 anos atrás, tinha eu 7 anos, não tenho memória de tal coisa, nem os meus país se lembram de tal conceito. INCLUSÃO.
Na adolescência conheci o deficiente que tomava conta da biblioteca da escola. Nessa altura aprendi a ter medo, a sério, e muito respeitinho cada vez que entrava na biblioteca para consultar, levantar ou entregar um livro. O deficiente era extremamente eficiente no seu trabalho. Não lhe escapava nada e levavamos ralhete quando as regras não eram cumpridas. A biblioteca estava sempre impecável e não havia nada que ele não soubesse ou fizesse.
Na idade adulta conheci o deficiente motor, que as circunstâncias da vida o lançaram para uma cadeira de rodas. O que admiro esse deficiente, culto, divertido, independente, lutador, com um sentido de humor incrível. E lembro-me muito dele e gosto de o ir acompanhando, mesmo que agora seja à distância. Vi as dificuldades que superou e as que não estão na sua vontade de superar porque essas, estão nos comportamentos de cidadania dos não deficientes.
Mas há uma coisa que é transversal a todos. O direito aos direitos básicos que estão nos direitos humanos das nações unidas e também na constituição da República portuguesa, que anda tão excluída e esquecida em vários assuntos.
O deficiente tem direito à dignidade, ao acesso de oportunidades e à inclusão na sociedade, no trabalho e na escola. Para que possam ser independentes, auto-suficientes e autónomos. Isto claro com a devida atenção às necessidades e condições de cada um, o deficiente.
Sendo mãe de uma criança com perturbação espectro autismo esta questão da deficiência toca-me directamente. Porque para efeitos oficiais e práticos nos aspectos da sua vida é uma criança com deficiência E aprendi a ver o conceito deficiente de forma positiva. A palavra deficiente está fortemente conotada como algo negativo e mau. Porque se formos analizar a palavra ficamos com a ideia que deficiente é  ser não eficiente. Com defeito, estragado e até mesmo inútil.
E é  esta a ideia geral que impera quando se trata de uma pessoa deficiente.
Quando tentei tirar direito aprendi um conceito que para mim se adapta à questão da deficiência: EQUIDADE. Numa linguagem bem simplória significa tratar diferente o que é diferente para a se consiga atingir a igualdade e justica entre diferentes.
A imagem abaixo retrata bem o conceito.

Desta forma encaro o conceito de deficiente e tudo o que a condição de possuir deficiência, perturbação ou específicidade (o que queiram usar) significa.
Por isso me deixa, por vezes, encanitada esta negação,  não aceitação, e até consideração a insulto do uso do conceito deficiente ou possui deficiência.
Prefiro isso ao termo diferente, especial, peculiar e um rol de termos hipócritas para nao ferir susceptibilidades de malta menos resignada, conformada e talvez até informada. Para mim essas diplomacias são insultuosas.
Sou mãe de uma criança deficiente? Sou. Luto pelos direitos e apoios à criança deficiente? Sim. Se o facto de o meu filho ter uma deficiência não o deverá condicionar a ter acesso ao que lhe é devido para ser uma pessoa digna e plena? Claro que não deve. Ele deverá ter a ajuda necessária, como deficiente, para se tornar num adulto autónomo e produtivo? Claro que sim.
Então, para mim, é necessário tirar o estigma negativo do conceito e encara-lo como um meio de possibilidades.
Porque se deficiência é sinónimo de imperfeição a perfeição não existe.
Não há ninguém nem mundo perfeito. E muito menos sociedades e escolas perfeitas. Se objectivo é termos criancas, escolas, adultos e sociedades perfeitas somos todos uns Hitleres.
E já tive que lidar com alguns, só não tinham o bigode.
E há algo que não nos podemos esquecer para além da imperfeição de tudo. É que a beleza do mundo está nas suas imperfeições.

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