Avó...

Sempre me considerei uma sortuda por ter avós razoavelmente novos em comparação com os meus amigos.  
Mas o passar dos anos e o facto de ir crescendo e vivendo a minha vida foi alterando o comportamento para com eles, não implicando uma ausência. Apenas notando certos afincos de personalidade que quando somos crianças passam ao lado e que depois se tornam claros quando chegamos ao patamar da maturidade e idade adulta. 
Com a minha avó não foi diferente. O facto de ser adulta foi-me revelando histórias e vivências que montaram uma personalidade da minha avó por vezes antagónica do que ela era para mim quando criança. Apesar de tudo para mim é e será sempre a minha "vózinha". Provavelmente saí beneficiada pelo facto de não conviver com ela todos os dias, mas isso não me fez distanciar o sentimento e ligação que possuo. Acredito que essa ausência também prejudicou-me noutros aspectos, mas acho que isso fez com que a relação que sempre tive com ela foi desinteressada e sanguínea. 
Foi uma mulher sofrida (calculo) que ficou sem mãe na altura que mais precisou (se há alguma altura em que não se precise de mãe) e criada pela vida árdua do campo entregue ao pai e família que demonstravam a dureza da pedra e do solo. Desde nova trabalhou de sol a sol e debaixo dos caprichos e dureza do tempo e dos campos como tantas outras crianças da idade dela e até mais novas.
Serviu em casa de senhores, teve os seus filhos e netos, mas sempre com a personalidade dura da sua criação mas detentora de um grande coração (a par com o seu típico mau feitio, cuja amostra detenho em herança) e voz e personalidades fortes. 
Valorizava a mesa cheia de família, a comida e o bom vinho. Dizia que rir espantava o diabo e que se o dinheiro fosse merda o pobre nasceria sem buraco do cu. É mesmo assim e quem se chocar que se aguente. Era temida por alguns e amigos tinha poucos, mas bons.
Quando soube da noticia da sua morte fiquei sem resposta. Não foi surpresa porque estava muito doente, demasiado doente e muito debilitada. Penou um pouco e a morte terá sido um alívio, uma paz... Espero.
Mas senti-me sem chão. E desde esse dia retomei uma serie de episódios antigos, lembranças que guardo dela.
A memória mais carregada é de quando chegava com os meus pais para passar o mês de agosto em casa dela. Não tínhamos carro e fazíamos um percurso a pé com sacos e malas até sua casa. Os meus pais carregavam e eu saltava saltava até ver o portão verde garrafa logo no final da curva. Quando o via corria e gritava por ela com toda a força até parar no abraço e colo que ela me dava até sentir o cheiro da bata que trazia sempre vestida. Cheirava a avó!!! Este cheiro regressou agora. Incrível como a nossa memória faz reviver cheiros. 
Ela esmagava a minha cara de beijos e mais beijos. A partir daí era uma festa. Férias no campo e avós com fartura. Lembro-me de comer amoras silvestres com ela a caminho da horta e do campo de milho quando íamos de carroça. Lembro-me do pior sítio que comi até hoje onde ela me levou porque era barato - Gato Preto, um trauma gástrico e gastronómico que nunca mais esquecerei. Lembro-me de algumas coisas menos boas, todos temos essas. Lembro-me das matanças do porco que se faziam e de a ver trabalhar e fazer ver a muito homem feito. 
Recordo-me de algumas conversas que tivemos... muitas... De dormir com ela sentada a meus pés no sofá da sala e de me enrolar que nem um casulo nos cobertores. Lembro-me quando me deu os brincos de ouro branco pelos meus 6 anos. Apesar de não usar em mais velha porque achava careta, casei com eles postos e volta e meia ainda uso... como agora. Agora adoro usar porque tenho a real noção do significado de tamanha oferta.
Sempre muito orgulhosa dos netos demonstrava carinho, mas também soube ser implacável, principalmente com aqueles que com ela mais conviveram.
Dizia que mulher nenhuma da terra tinha netos tão bonitos, era vaidosa nisso, mas não era uma mulher vaidosa.
Guardou feridas no coração até morrer, angústias que sempre a acompanharam e sentimentos que não esmoreceram, mas que forçava em domar e apagar da lembrança. 
Apesar de ser diferente a ela em muitas coisas revejo-me em algumas. Vou sentir falta das conversas e da alegria dela, de me perguntar pelo borrado (o meu filho).
Nos últimos tempos da sua vida já não tinha muita alegria porque a doença lhe roubara muita coisa o que para ela foi perda de dignidade. A velhice e a doença são cruéis para quem delas padece e para quem acompanha. Entristece a alma e seca o nosso ser.
Sei que vou estar sempre com ela no meu coração, apesar dos pesares, e a cada pedra, grão de areia, broa de milho, sardinha na telha, canja com arroz e arroz cimento (nome dado por mim e pela minha irmã ao arroz que ela fazia que se atirássemos à parede podíamos colar azulejo) o cheiro a avó vai regressar. 
Espero que sim ...

Beijo avó Gina!!!!
Até um dia!!!!


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