Sou uma pessoa má (até doente)

Descobri que me divirto com coisas sérias desde muito cedo. Mas a memória que guardo melhor é a de quando fui ao oftalmologista pela primeira vez. Para mim foi espetacular ver no consultório uma senhora rececionista com óculos de fundo de garrafa a escrever na agenda as consultas com uma caneta de feltro encarnada de bico grosso e a ver as notas, moedas e cheques encostando às lentes como se estivesse a fazer um scan. O instinto foi tentar dar uma grande gargalhada que foi prontamente barrada com um carolo do meu pai. Era uma criança, agora adulta faria o mesmo que o meu pai aos meus filhos mas com certeza que me ria assim que entrasse no carro quando estivesse sozinha. Porque os exemplos que damos aos nossos filhos são importantes. Mas o mais provável seria irmos a rir da situação e tentar tirar a conclusão que não se deve gozar com as pessoas que trabalham com as limitações que têm, que ao fazê-lo são nobres e os bobos somos nós. 
Ontem na consulta tive uma situação semelhante. Para além de ter gramado mais de 1h de espera cheia de dores ainda tive direito a uma consulta com pormenores típicos de britcom ou MontyPyton. ATENÇÃO que não vou fazer queixas do Sr Dr porque esse para além de cuidadoso, atencioso e simpático apesar do atraso foi muito profissional. Isto é mesmo para realçar a minha personalidade parva e gozona de ver sempre pormenores parvos em TUDO. 
12h30 entro no gabinete para um consulta que deveria ter sido às 11h. “Bom dia Sr. Dr. “ (Pimba!! Arrota que já levaste a boca que ainda estou aqui sem almoçar). 
Dr. levanta-se e estende a mão para um bacalhau. (Ora toma tu que já levaste. Eu 0 ele 1). 
Então o que se passa?
Amígdalas Dr. estou muito aflita da garganta. Acho que são as amígdalas. Doi-me muito a garganta e já sinto dormência nos ouvidos. 
Sente-se ali na cadeira e vemos já o andar de cima e depois a garganta. 
Penso: mas eu falo da garganta e ele vê primeiro os ouvidos? Siga. Tu aqui não percebes nada. 
Ora nos ouvidos só de lá tirou uma bolota. E passou ao piso abaixo, a garganta. 
Dr. : “As amígdalas estão inocentes”
Tu queres ver que o otorrinolaringologista é detetive?
“A senhora tem faringite.” Aí mãe agora já me tratam por senhora. Deve ser por estar prestes a fazer 40 ou estou mesmo mesmo mesmo com aspeto de velha acabada. 
“A senhora grita muito? É que tem a voz muito rouca.”
Passou-me logo um mini trailer mental com uma compilação de gritos que dou aos miúdos, ao autocolante, ao cão, às gatas e no carro. Nem respondo. Digo apenas que sempre tive a voz assim e que até já tinha sido operada às cordas vocais ( o que deve ter sido ótimo para todos lá em casa para além do silêncio o bónus de me ver com um bloco de post-its atrás durante duas semanas). 
Então espero que o Dr. insira os dados no computador, passe a receita e o atestado, e esta parte demora o dobro do tempo. Admito que até tenho um pouco de pena deles, porque são obrigados a fazer aquilo mas ninguém lhes ensinou a usar mais de três dedos para tornar a tarefa mais rápida. Há curso de datilografia para isso sabiam??? Bad call Ministério da saúde. Ou então trocam os pc’s por aqueles aparelhos que há no Mac Donald’s para registar os pedidos que é só preciso  ser bom a bailar com o dedo indicador. Ou outro. Just saying. 
Quando passa à escrita e quando o Dr. tira os óculos da cara e enfia o nariz no papel só me ocorreu duas hipóteses: 1 relembro o episódio de 19noventa e troca o passo e controlo o riso; 2 fico preocupada com o facto se ele precisaria de enfiar o nariz na minha faringe para a ver bem. 
Bem. Levo a receita e o que será, será. 
Ao despedir-me do Dr. noto que ele ficou com um bocadinho da minha bolota na barba. Sou má porque optei não dizer nada porque provavelmente não iria ver ou acabaria por cair. 

Farmácia (momento boneco Herman José)
 Saida dalí sigo com urgência para a farmácia mais próxima para levantar a receita. Enquanto o meu antibiotico é preparado entra um senhor figurinha que nos deixa a mim e ao autoclante meio espectantes e a farmaceutica nº 2 já de sobrencelha levantada.

Tipo:  "Tem Zopidan?"
F2: "Sim. Qual é a caixa que quer?"
Tipo: "Sei lá! eu nem tomo disso." Diz ele em jeito de tipo retratado como o Zé da Tasca no teatro de revista ou aqueles bonecos chico-espertos de Lisboa que o Herman José retrata muito.
F2: "Sabe a cor da caixa?"
Tipo: Epá... Mas isso vem em cores??!!Na sei... traga lá uma pra eu ver."
A Farmaceutica nº 2 respira fundo e aposto que revirou os olhos assim que virou costas e rezou para ter santa paciência para o cromo que lhe acabara de cair ali.
F2: "Veja lá se não é esta." 
Tipo: "Deve ser. É para ver se dorme a ver se pára de me chatear os cornos."
Toca o telefone enquanto a farmaceutica tenta falar com ele.
Tipo: "Tô!! Sim já cá tou. Sim... Tá bem. É essa. Até já."
F2: "Olhe que não pode comprar este medicamento sem receita médica." Alerta ela educadamente.
Tipo: "Eu tenho a receita. Está aqui." E joga a receita para o balcão como se fosse um trunfo de sueca.

Classsseeeee.

Há dias assim. Parece que só vemos maldade ou gozo nas coisas. O que nos rimos com o boneco e aquela cena.



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